“…o poder público, para garantir possíveis direitos e limites, se empenha, mesmo que timidamente e
a conta-gotas, a regulamentar a continuidade desse ‘novo normal’”
Estamos estatisticamente saindo da pandemia que assolou o mundo e dizimou várias pessoas, dentre elas entes queridos e amigos.
Os alertas oficiais datam de 31 de dezembro de 2019, quando a OMS foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China.
Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. A intenção da decisão era aprimorar a coordenação, a cooperação e a solidariedade global para interromper a propagação do vírus. A partir de então, governos e organizações se empenharam a alterar a rotina diária da população com a intenção de amenizar essa propagação.
Neologismos foram criados para definir novas regras à sociedade. Dentre eles, o “novo normal” foi definido como a proposta de um novo padrão, que, em tese, poderia garantir a nossa sobrevivência.
O jurista e autor Dalmo de Abreu Dallari ensina que “a sociedade humana é um conjunto de pessoas ligadas pela necessidade de se ajudarem umas às outras, a fim de que possam garantir a continuidade da vida e satisfazer seus interesses e desejos.” E continua: “e justamente porque vivendo em sociedade e que a pessoa humana pode satisfazer suas necessidades, é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que sirva, realmente, para esse fim”.
Essa organização já era explicada por Norberto Bobbio, intelectual do direito, filósofo e cientista político do século XX, em que a sociedade se desenvolve sob um grande repertório de normas de conduta e jurídicas, onde o ordenamento dessas normas caracterizaria a civilização. Segundo o autor, essas regras de conduta podem ter cunho religioso, moral, social, jurídico e até mesmo baseado no costume local, mas precisam ser regulamentadas, a fim de atingir o objetivo.
No desenvolver desse “novo normal”, várias situações alteradas, seguem em prática, visto ter sido identificadas como alternativa benéfica na organização dessa sociedade.
Com essa continuidade, o poder público, para garantir possíveis direitos e limites, se empenha, mesmo que timidamente e a conta-gotas, a regulamentar a continuidade desse “novo normal”.
Dentre as alterações em vários seguimentos, não se pode negar as consideráveis alterações que as relações de trabalho passaram.
Um exemplo é a regulamentação do teletrabalho que já havia “sofrido” importantes alterações advindas com a Lei nº 13.467/17.
Com a necessidade do distanciamento social, o teletrabalho tornou-se ferramenta fundamental para a continuidade também da situação econômica para muitos setores. Alguns deles visualizaram economia dentre outros benefícios, e “no apagar das luzes pandêmicas”, mantiveram a forma de trabalho como continuidade de suas regras.
Assim, para adequação legislativa ao trabalho realizado fora das dependências do empregador, a CLT mais uma vez foi alterada com a edição da Medida Provisória nº 1.108 de 2022. Dentre outras alterações trazidas, o teletrabalho foi uma delas.
A Lei nº 13.467/17 já havia incluído o teletrabalho dentre as exceções em que a jornada de trabalho pode não ser controlada e a MP nº 1.108 agora acrescenta que esta exceção só atingirá o teletrabalhador que atuar por produção ou por tarefa, estando isso explicitamente no §3º do art. 62 da CLT.
Assim, o teletrabalhador contratado por tempo não estará abrangido pelo regime do art. 62 da CLT e, portanto, poderá ter direito às horas extras e adicional noturno, quando extrapolado o limite legal ou convencional da jornada.
O texto da Medida Provisória reforça que o teletrabalho, também chamado agora de trabalho remoto, pode ocorrer por jornada ou por produção ou tarefa (§2º do art. 62 da CLT) e pode abranger os estagiários e os aprendizes.
O retorno ao trabalho presencial ainda é disposição do empregador, claro, pois em muitas situações é necessário.
Apesar das importantes alterações, como dito, as regulamentações ainda são tímidas e a conta-gotas.
A regulamentação deixou de trazer temas bastante relevantes como o ressarcimento das despesas com a realização do trabalho remoto, como internet, energia elétrica, bem como, as disposições mais efetivas quanto à saúde do trabalhador.
O avanço legislativo, em sua essência está ligado à limitação a muitos empregadores que poderiam aproveitar-se da facilidade não regulamentada, onerando de certa forma seus funcionários. Porém, no contexto da necessidade de organização da sociedade através das regulamentações, ainda há muito a que se fazer.
Melhor do que nada, há quem julgue que conta-gotas faz parte da posologia experimental, para que se necessário a dose seja aumentada. Já dissemos várias vezes que melhor seria que a sociedade não precisasse das leis. Se todos praticassem o mínimo de respeito com o próximo, as leis seriam desnecessárias.
A MP ainda precisa da aprovação do parlamento para se converter em lei ordinária, o que tem sido um grande desafio ao Poder Executivo.
Gustavo Pereira Andrade
Advogado e Procurador Geral do município de Juruaia
Foto: Arquivo Pessoal
Imagem: ADS Comunicação Corporativa