Bíblia: Retrato do povo de Deus!

Por mais que pareça aterrorizante aos jovens de hoje, houve um tempo, não muito distante, em que fotografias não se apagavam com um click. Muito pelo contrário, eram artigos de luxo, ricamente ornados com belas molduras e exibidos nas salas. Ali estavam eternizados alguns rostos sérios, sisudos, normalmente presididos pela figura do pater familis, e acompanhados da mãe de todos e de todos os vários filhos. Outras vezes, o retrato estava bem guardado em uma gaveta do armário, dentro de um belo vaso ou de uma caixa de biscoitos: eram os encantadores monóculos, caixinhas nas quais se observaram com apenas um olho a cena perpetuada. Ali, muitas vezes diante daquela igreja de Aparecida do Norte, guardava-se rostos, memórias, lágrimas, saudades e milagres. Outras vezes ainda, o retrato era um livro: para cada página uma história, para cada história um sentimento. Naquela época a foto falava muito mais que a imagem. Frases do tipo: “olha minha mãe ali! Que saudade!” eram as mais puras legendas, pois embora não recebessem nenhuma “curtida” guardavam a experiência mais nobre do coração que a olhava.  

 

Neste mês de setembro, até a natureza reveste o áureo dos ipês para venerar um grande livro de retratos, chamado de Bíblia. Embora não pareça, é a mesma coisa: para aquele que crê, não são apenas palavras e normas frias, mas sim, retratos da experiência de Deus feita por um povo.  

 

Perde muito tempo quem acha que a bíblia é um livro de verdades históricas, ou um manual de receitas prontas. Na verdade, ela é o retrato da experiência de fé de um povo eleito, escrita sob ação do Espírito Santo e deixada para orientar os passos daqueles que querem fazer experiência com Deus. Não é o relato de uma história encantada, ou de um povo distante, ou de uma terra perdida! É a nossa história, do nosso povo, de nossa terra! O tempo pode até amarelar as fotos de nossas paredes, mas não quebra o vínculo de sangue e as memórias. No tocante a bíblia, o tempo pode distanciar os relatos, mas nunca apagar a nossa aliança com Deus. Por isso a bíblia não é um livro de história, mas de experiência de fé! Isso implica em afirmar que a verdade bíblica não é a histórica, mas a salvífica. Por exemplo, pouco nos importa saber se a serpente falava, mas muito nos importa saber que o pecado é esperto e estrategista! Portanto, cuidado!  

 

Foi firmando-se na experiência com Deus que muitos homens, inspirados por ele, escreveram as páginas da bíblia. Cada qual, em uma época diferente, como que fotografou a experiência de sua comunidade. Segundo o estudioso Konings (em: A bíblia, sua origem Leitura, 2011, p. 61), antes de Moisés, os “filhos de Israel” tinham seus textos não escritos, isto é, orações, hinos, histórias e memórias. Por volta de 1250 a.C, surge uma espécie de constituição ética e religiosa, algo semelhante a um conjunto de leis do dia a dia e da religião. Tempos depois, com a monarquia em Israel tem-se os primeiros escritos bíblicos, contudo é por volta do ano 620. a.C  que se inicia a escrituração oficial da experiência de Israel com seu Deus. Esta experiência é levada à perfeição com Jesus Cristo e com sua Igreja, sendo assim composto, em um longo período o texto bíblico, cerca de 1400 anos, isto considerando o “cântico de Mirian” por volta de 1250 a.C e a redação final do NT por volta de 132-235 d.C. Em seu original, o Primeiro Testamento foi escrito e hebraico, aramaico e, uma pequena parte, em grego. Já o Novo Testamento, foi escrito todo em grego. Com o passar do tempo, e com o crescimento da Igreja pelo mundo, o papa Damaso I pediu para São Jerônimo traduzir os textos para o latim, trabalho realizado em Belém, entre os anos 386 a 420.

 

Por mais de 1000 anos, monges católicos estudam e copiaram manualmente a bíblia, e ela sempre foi o livro referencial para a doutrina católica. Com o Concílio Vaticano II, a escuta, a leitura e o estudo da Palavra de Deus foi ainda mais incentivado, pois é ela o retrato mais fiel do povo santo de Deus, isto é, da Igreja.  

 

São Jerônimo é festejado como o grande estudioso e um apaixonado pela Palavra de Deus, e como seu dia de festa litúrgica é 30 de setembro, a Igreja achou por bem dedicar todo o mês de setembro à Sagrada Escritura. Contudo, não basta ao católico apenas fazer procissão, enfeitar e aplaudir a bíblia. É preciso ler e entender que só seremos o verdadeiro Povo de Deus quando fizermos uma experiência profunda de fé! Que lendo o retrato do povo de Deus tenhamos vontade de participar dele, não apenas como em um self, mas sim com sede de Deus, a ponto de sermos transformados realmente naquilo que meditamos.  

 

Padre Dione Piza

Pároco da Paróquia São Sebastião de Juruaia/MG

 

Foto:

Canção Nova

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