Nestes últimos tempos o mundo passou por uma de suas experiências mais traumáticas: a árdua dor de uma pandemia que veio para causar avassaladores impactos sobre nossas vidas, tais como a perda de pessoas queridas, o duro golpe do desemprego, o abalo da economia mundial, o colapso do sistema de saúde e outras tantas dores que gostaríamos de não ter visto. No entanto, ainda que de forma tímida e gradual, a vida dá sinais de que deseja e está voltando ao que já foi um dia. O empenho na vacinação em massa tem feito com que os dados alarmantes que vimos outrora desacelerem permitindo que retomemos o fôlego da vida de antes.
Vários são os cenários que voltam a emoldurar o dia-a-dia e trazem esperança de dias melhores: o retorno gradual do ensino presencial nas escolas, a apresentação de espetáculos e o funcionamento dos cinemas, a diversão das casas de shows e por aí vai. Não menos importante, eventos de peso nos aguardam no próximo ano como a amada Copa do Mundo de Futebol e as eleições brasileiras para importantes cargos de nossa política: Presidência da República, Governos Estaduais e vagas no Congresso Nacional (órgão bicameral composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal).
Não obstante, já se espalhou pelo país a discussão a respeito da votação que nos aguarda no ano de 2022. Tem-se discutido a respeito da possibilidade do voto impresso. Tal questão dar-se-ia da seguinte maneira: assim que cada cidadão eleitor brasileiro realizasse a sua votação de forma eletrônica nas urnas, seria emitida uma cédula na qual constaria cada um dos seus votos e, em seguida, essa cédula seria depositada numa urna de acrílico para a eventual necessidade de uma recontagem de votos caso venha a surgir suspeita de fraude eleitoral.
A pauta ganhou força por meio do Presidente da República, Jair Bolsonaro, o qual afirma ter existido fraude nas eleições do ano de 2018, que por sua vez é a mesma que o elegeu para o cargo. É contraditório, mas ele tem levantado essa bandeira e constantemente critica as urnas eletrônicas, que estão em uso nas eleições do país há 25 anos e nunca demonstraram qualquer indício de vulnerabilidade, estando devidamente claro que tais sistemas eletrônicos não possuem quaisquer ligações com a rede de internet, impossibilitando, assim, qualquer interferência externa a não ser aquela do próprio eleitor no momento de seu voto.
O Tribunal Superior Eleitoral afirma que todo o aparato tecnológico utilizado nas urnas eletrônicas propicia “a integridade, a confiabilidade, a transparência e a autenticidade do processo eleitoral”. Diz, ainda, que “desde que foi adotada, em 1996, a urna eletrônica já contabiliza 13 eleições gerais e municipais, além de um grande número de consultas populares e pleitos comunitários, sempre de forma bem-sucedida, sem qualquer vestígio ou comprovação de fraude”, conforme fontes da Agência Senado.
Para concretizar a ideia de voto impresso, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), tendo o deputado Filipe Barros (PSL-PR) como relator, ambos apoiadores do Presidente da República, criou a PEC 135/2019, uma Proposta de Emenda à Constituição para tentar aprovar o tema e que tinha como objetivo acrescentar “o parágrafo 12 ao art. 14, da Constituição Federal, dispondo que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.
Contudo, no dia 10 de agosto do corrente ano, o Presidente da Câmara dos Deputados, ante a acalorada discussão, levou a matéria ao Plenário da Casa Legislativa para votação, de modo que foram 229 votos favoráveis, 218 contrários e uma abstenção. Para aprovação, eram necessários 308 votos em dois turnos de votação, por se tratar de matéria que visava emendar dispositivo de nossa constituição, a qual não permite fácil modificação, mas exige um sistema rígido para tal. Portanto, a PEC 135/2019 foi arquivada.
A nosso ver, o resultado não poderia ter sido outro. O arquivamento da matéria foi acertada solução para que se mantenha o respeito às normas constitucionais. Alguns dispositivos da Constituição Federal do Brasil são denominados cláusulas pétreas. Isso significa que, devido a sua grande importância, não permitem modificação. Nessa linha, o parágrafo quarto do artigo 60 do texto constitucional são essas cláusulas pétreas. Nesse parágrafo, o inciso II dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) II – o voto direto, secreto, universal e periódico; (…)”.
Logo, se sobrasse sensatez e menos mimos aos governantes que temem derrotas na eleição futura, bem como aos nossos congressistas, a matéria jamais teria ganhado atenção colossal, tampouco ainda estaria sendo pauta de muitos analfabetos políticos que vemos por aí. Qualquer tipo de tentativa de materialização do voto do eleitor é um sério atentado à democracia, ao sistema eleitoral e à dignidade de cidadão.
Portanto, mais do que nunca é importante, é necessário, é imprescindível falar sobre as urnas eletrônicas e, mais do que isso, adquirir conhecimento antes de seguir qualquer ideia que se joga aos quatro ventos.
Thúlio Marques Corrêa
Advogado formado pela PUC-MG com atuação na cidade de Muzambinho.