Ao pensar no tema sobre o qual escreveria, não imaginei o presente assunto a ser discorrido ao longo deste texto. Contudo, um destacado caso judicial no Brasil, que passou por uma importante fase nesta semana, me despertou o interesse pelas veredas do Direito Criminal e reflexões filosóficas.
Nos últimos dias, os noticiários da TV brasileira cobriram o caso Henry Borel. Trata-se da investigação em torno do assassinato do garoto que leva o nome do caso, de apenas 4 anos de idade, no dia 8 de março de 2021, na Barra da Tijuca, bairro localizado na cidade do Rio de Janeiro. Durante a fase de inquérito policial, as conclusões apontaram a autoria do crime para o padrasto da criança e para sua mãe.
As diligências policiais concluíram que Henry Borel, antes de sua morte, foi vítima de tortura por parte de seu padrasto, o ex-vereador Jairo Souza dos Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho, no apartamento em que este morava com a mãe Monique Medeiros, também denunciada no caso. Pelos crimes, eles responderão por homicídio triplamente qualificado, tortura e foram também acusados de coação de testemunhas durante a persecução penal.
Pois bem, crimes dessa natureza, por se tratarem de crimes dolosos contra a vida, conforme a legislação pátria, são julgados pelo Tribunal do Júri que, atualmente, é responsável pelo julgamento de homicídio doloso (aquele em que há intenção de matar), infanticídio, participação em suicídio, aborto (tentado ou consumado) e seus crimes conexos.
O Tribunal do Júri é formado por um juiz presidente e 25 cidadãos, dos quais sete atuarão como juízes leigos, formando o que se chama de Conselho de Sentença, ficando responsáveis por condenar ou absolver o réu. Os componentes são escolhidos mediante prévio sorteio de pessoas de uma lista de jurados. Contudo, antes dos crimes dolosos contra a vida serem julgados por esse Tribunal, algumas fases do processo penal devem ser respeitadas.
O procedimento adotado no Tribunal do Júri possui duas fases. A primeira delas se trata do “juízo de acusação”, mediante o qual serão produzidas provas para verificar a existência ou não de crime doloso contra a vida. Inicia-se com a denúncia ou queixa, culminando com uma sentença de pronúncia (o réu vai a Júri), impronúncia (o réu não vai a Júri), desclassificação ou absolvição sumária. Após, caso seja pronunciado, o réu vai para julgamento do Tribunal do Júri, quando se tem a segunda fase, chamada de “juízo da causa”.
O processo sobre a morte do garoto Henry se encontra na primeira fase, na qual se encerrou, na madrugada de 6 de outubro, a primeira audiência de instrução e julgamento em que foram ouvidas testemunhas de acusação. A continuação está prevista para os dias 14 e 15 de dezembro.
Esse caso traz à tona a lembrança de casos bastante conhecidos no Brasil sobre a morte de outras crianças inocentes. Dentre eles, talvez um dos mais lembrados e emblemáticos, foi a morte da menina Isabela Nardoni, de 5 anos de idade, ocorrida em 29 de março de 2008. Alexandre Nardoni, o pai da garota, e a madrasta Ana Carolina Jatobá foram condenados, em 2010, pelo homicídio ocorrido em razão de Isabela ter sido jogada pelo pai do 6º andar do prédio em que ele morava na zona norte de São Paulo.
No ano de 2014, o menino Bernardo Boldrini, na época com 11 anos de idade, foi morto no dia 4 de abril, na cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul, tendo o seu corpo sido abandonado em uma cova nas imediações de um riacho e encontrado em estado de decomposição. Leandro Boldrini e Graciele Uguli, pai e madrasta, foram os condenados pela morte do garoto.
Muitos outros são os casos ocorridos em que crianças e adolescentes inocentes são vitimados. O que nos estarrece enquanto refletimos a respeito é a amplitude da violência doméstica alastrada pelo país. Embora tenha feito algumas descrições técnicas, não venho, desta vez, tecer uma análise jurídica do tema que me impulsionou a escrever o presente texto, qual seja, o atentado contra a vida de crianças.
O que me tocou foi a delicadeza da situação jurídica analisada. Embora os profissionais da área jurídica estejam cotidianamente envoltos em diversas situações que lhes despertam os mais variados sentimentos de repulsa, não se pode negar que aquelas que envolvem a brutalidade com crianças nos tocam de maneira mais contundente. Se outros discordam, falo então por mim. Fico comovido e, por vezes, reflexivo com tais situações. Utilizando-me dos pensamentos filosóficos, começo a imaginar os sentimentos dos pais que perderam suas crianças, quanta vida ainda poderia ser desfrutada, quantos planos os parentes mais próximos guardavam para o ente querido, a inocência de crianças que nada sabiam dos males do mundo, entre tantos outros pensamentos.
Enfim, não procurei me ater a um raciocínio lógico neste texto, pois não conseguiria. Mas achei importante trazer a conhecimento que casos cruéis nos cercam e merecem despertar em nós as mais variadas reflexões para que possamos nos tornar melhores enquanto seres humanos. Importante, ainda, que esses infelizes acontecimentos sejam marcos positivos na luta pela devida punição e eficiência por parte do sistema de justiça, com o objetivo de, cada vez mais, coibir e prevenir episódios grotescos como os que foram citados.
Thúlio Marques Corrêa
Advogado formado pela PUC-MG com atuação na cidade de Muzambinho.
Foto: Barroco & Coelho Advocacia