Certa vez, em um “tour” pelas redes sociais, deparei-me com a inusitada foto de um amigo.
A legenda dele, ironicamente dizia: “Primeiro velhinho q vejo q não lê jornal kkkkk”.
Como a maioria dos profissionais do direito, analisei a foto sob o ângulo jurídico, tendo em vista que a própria foto faz-nos lembrar vários elementos que configuraria, em tese, além do ilícito, situações embaraçosas.
Ao conversar com o “amigo”, ele relatou que em um passeio por outro estado, em um terminal rodoviário, ele, sua noiva e sua mãe, ao sentar no “hall” para esperar o ônibus que iam tomar, se depararam com a cena atrás deles, em que um senhor de idade lia, sem nenhum receio, uma revista pornográfica.
Como se nota na foto, foi notório que qualquer um que transitasse atrás (ou na frente) conseguia visualizar a inusitada cena.
Em uma análise rápida, o simples fato de alguém ler sua revista em área pública, não caracterizaria, de início, nenhum ilícito penal, visto que para alguns, possível conduta poderia ser punível pelo Art. 234 do CP, o seria necessário que houvesse algumas das hipóteses de comércio, distribuição, exposição pública, sendo essas com finalidade especial, e não quando destinado ao uso próprio.
A norma citada protege, em regra geral, o pudor público, ou, a moralidade sexual.
Há os que entendem que a atitude geraria incômodo social, visto a exposição pública mesmo não com finalidades especiais (venda, distribuição, exposição). No caso da foto, não houve notícias que alguém reclamou. Pode-se visualizar que inclusive há uma cabine da polícia bem em frente.
Outros estudiosos dizem que a caracterização de possível crime deve ser analisada no momento em que a atitude do agente começa a prejudicar ou mesmo constranger outras pessoas. A ação em espaço público não justifica qualquer privacidade. O ato pode gerar constrangimento e no mínimo um inquérito policial.
Porém, vejo que toda conduta deve ser considerada em um contexto. Há atitudes que beiram a iminência à passagem para uma vida de condutas criminosas. Claro, não generalizando.
Estudos afirmam que o vício em pornografia pode trazer danos físicos e psicológicos à vida de uma pessoa. Não há uma definição exata como a pessoa reage à esses danos físicos e psicológicos. O que podemos afirmar é que todo abuso começa com mínimas atitudes. O famoso jargão: “água mole, pedra dura, tanto bate até que fura”. Se há reação física e psicológica, com dano, alimentar uma situação pode acarretar a alimentação por outras formas inclusive repugnantes.
Infelizmente, o índice e estudos afirmam que muitas pessoas que desenvolvem esses problemas, principalmente psicológicos, buscam satisfazer suas “loucuras” atingindo os mais vulneráveis, e, nesses casos, alertadamente as crianças e adolescentes.
A boa notícia é que o poder público tem se empenhado nessas situações. Não é apenas a repressão após o acontecido. O poder judiciário tem se empenhado não só na Judicialização e penalização de atos que excedem à individualidade, mas também na conscientização.
Hodiernamente, a união de todos os poderes realizam uma campanha denominada “Maio Laranja”, atrelado à Lei 9.970/2000, cuja finalidade é a mobilização de entidades e da sociedade ao combate ao abuso e exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes.
A mobilização foi sugerida devido ao caso prático que, em 18 de maio de 1973, uma menina de oito anos de idade, chamada Araceli, foi sequestrada, drogada, violentada sexualmente e assassinada, em Vitória (ES). No ano de 1991, os três réus acusados de matar a menina foram absolvidos e o crime permanece impune até hoje.
Surge então a Campanha Faça Bonito – Proteja Nossas Crianças e Adolescentes, que tem como objetivo mostrar à sociedade que isso é compromisso coletivo, cuidar para que a população infanto-juvenil tenha uma vida plena e com a garantia do direito ao desenvolvimento sexual saudável, sem violência.
O símbolo da campanha é uma flor de cor laranja, e por isso o mês de maio ficou conhecido como Maio Laranja.
Se não todos, ou no mínimo a maioria dos nossos pais nos alertavam sobre o excesso. “Tudo em excesso faz mal” era a frase ouvida em muitas circunstâncias.
As campanhas como políticas públicas tem sido parcialmente eficientes, mas ainda é necessária atenção e alerta.
Reiterando a não generalização da situação, porém, como dito alhures, é verdadeira e de aplicação prática que toda água insistente acaba por furar a pedra. Se a consequência fosse apenas jurídica, tudo se resolveria. A questão emociona e de destruição às vezes não só de uma criança, mas de uma família é um enorme buraco que pode ser irreversível.
Gustavo Pereira Andrade
Advogado e Procurador Geral do município de Juruaia
Imagem: Rede Social
Foto: Arquivo Pessoal